Reminiscência
Catolicismo e Contra-Revolução no Brasil dos séculos XIX e XX
Magníficos
frutos do autêntico catolicismo no Brasil, baseado nos ensinamentos do Concílio
de Trento, revigorado em meio a muitas provações e ataques anticlericais
Sergio Bertoli
O século XIX
foi marcado pelo florescimento do catolicismo ultramontano, que fortaleceu a
influência e o prestígio da Santa Igreja. Além de afirmarem as verdades
eternas, os católicos se opunham decididamente aos inimigos da fé.
Inspirado nos perversos ideais da Revolução Francesa,
expandia-se na época o chamado liberalismo católico, o qual pregava a
“democratização” da Igreja e o distanciamento em relação à autoridade papal. Os
católicos ultramontanos se levantaram então com ufania para defender a
autoridade do Sumo Pontífice e a ortodoxia, gerando ao mesmo tempo grande
dinamismo nas instituições e movimentos católicos.
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Bem-aventurado Papa Pio IX |
Na Europa, esse
renouveau teve como figuras
proeminentes contra-revolucionários do porte de Donoso Cortes, Joseph de
Maistre, De Bonald, São Clemente Maria Hofbauer e, principalmente, o
Bem-aventurado Papa Pio IX.
Muitos outros poderiam ser aqui citados. Catolicismo,
na década de 1960, através da pena de seu saudoso colaborador, Prof. Fernando
Furquim de Almeida, abordou com maestria a luta ultramontana e
contra-revolucionária desenvolvida na Europa durante o século XIX.
No Brasil, este mesmo combate se travou com enorme vivacidade,
envolvendo altas personalidades: a) de um lado, os defensores da fidelidade a
um catolicismo genuíno; b) de outro, os propugnadores do dito catolicismo
liberal, o “progressismo” da época.
Visão da História sob o prisma católico
Analisada a História sob o prisma católico, ela não se apresenta
como uma sucessão de fatos caóticos e desarticulados entre si, mas sim
orientados e influenciados por uma série de fatores naturais e sobrenaturais,
que variam de acordo com o momento e a situação histórica. Um desses fatores
negativos foi descrito pelo Papa Pio XII como sendo um sutil e misterioso
inimigo da Igreja: “Ele se encontra em todo lugar e no meio de todos: sabe
ser violento e astuto. Nestes últimos séculos tentou realizar a desagregação
intelectual, moral, social, da unidade no organismo misterioso de Cristo”.1
Foi sob esse prisma que analisamos em nossos artigos anteriores
o embate entre forças antagônicas no Brasil, a partir do século XIX, no tocante
à educação, ao verdadeiro papel da mulher e em especial à influência da família
na boa formação da sociedade.
Provações inerentes a toda obra de apostolado
D. Antônio Joaquim de Melo, primeiro bispo brasileiro a assumir
a diocese de São Paulo, elaborou sólido plano de recuperação do catolicismo
autêntico no Brasil, fundamentado nos ensinamentos do Concilio de Trento e nas
orientações do Bem-aventurado Papa Pio IX. Entre suas metas principais figurava
a constituição de seminários para a formação de um clero instruído e pleno de
vida interior. Além disso, o prelado percebia bem quanto valor tinha a
instrução católica da juventude, em especial a feminina, que levaria a boa
seiva para suas famílias como filhas, irmãs, esposas e mães.
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Praça de Martouret, na cidade de Puy, onde
foram mortas as primeiras
mártires das religiosas de São José de Chambéry |
O plano do fervoroso bispo constava de uma instrução religiosa e
cultural exímia. Exemplo disso foram as seis irmãs de São José de Chambéry,
Sabóia (França), enviadas a Itu, no estado de São Paulo. Essa congregação
tivera a glória de ser dispersa pela Revolução Francesa e ter suas primeiras
mártires executadas na Praça de Martouret, na cidade de Puy, por não
aceitarem a constituição civil do clero e as idéias iluministas desse movimento
anticristão. A congregação felizmente não sucumbiu, e se reorganizou durante o
século XIX.
A maioria de suas religiosas aqui aportadas era constituída por
jovens entre 19 e 30 anos de idade, cuja chegada não deixou de causar, de um
lado entusiasmos contagiantes, e de outro provações enormes, o que não é raro
nas grandes obras de apostolado.
Assim, a indicada para superiora – Madre Maria Basília –, logo
ao sair da Europa contraiu um resfriado, que se agravou a ponto de levá-la à
morte em plena viagem. O Revmo. Pe. Terrier, dirigindo-se ao cardeal Billet,
assim descreve o ocorrido: “Apesar da dedicação do médico, o mal se agravou,
uma febre violenta a fez perder completamente o conhecimento de tudo,
mantendo-a em delírio durante cinco dias. Pela tarde de 26 de julho, depois de
ter repetido duas ou três vezes os nomes de Jesus, Maria e José, ela morreu
como os justos, chorada por todos e a dois dias da chegada à terra, na altura
do Cabo Frio, diante do Brasil onde ela tanto desejava chegar. Ó Eminência, que
terrível golpe para nós; mas aos olhos da fé, que linda morte! Era mister uma
vítima para atrair as bênçãos celestes sobre o nosso empreendimento: Deus
escolheu a mais pura, a melhor preparada, a mais agradável aos seus olhos.
“Como não se podia conservar a bordo um cadáver além de 12
horas, foi preciso proceder-se à sua imersão, na madrugada seguinte. A
cerimônia foi realizada com a maior solenidade possível. Celebrei a missa de
corpo presente, e, bem assim, o Revmo. cônego Goud e o padre capuchinho: todos
os católicos de bordo assistiram ao Santo Sacrifício. Findo este, o corpo,
revestido do seu habito religioso, foi transportado para o convés e aí se
cantou a Absolvição em meio dos soluços de todos os assistentes. Depois do
último Requiescat in pace, suas Irmãs aproximaram-se para o derradeiro adeus,
em seguida lhe ataram aos pés um saco de areia e escorregaram-na suavemente para
o mar”.2
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Madre Teodora de Voiron |
Deixamos para futuro artigo a narração das peripécias da viagem
entre Rio, Santos, São Paulo e Itu. Pode-se bem imaginar as dificuldades
sentidas por religiosas ainda muito jovens, vindas de uma sociedade europeia,
sendo transportadas em liteiras, carroças e animais do mundo agreste de então.
Entretanto, logo no primeiro instante, perceberam a cordialidade e a
hospitalidade do brasileiro, características de nosso povo que foram objeto de
elogios das religiosas.
Com a morte de Madre Basília, que superiora escolher? Foi
indicada a Madre Maria Teodora de Voiron, de apenas 24 anos. D. Joaquim se
opôs: “Mas é uma criança! Uma criança! Que faremos com uma criança?!”
Com o passar dos dias e observando-a atentamente, ele mudou o
seu parecer: “Concluí que sua sensatez, sua discrição e sua prudência
triunfariam de todos os obstáculos. Pareceu-me ver nela bom senso e
condescendência, qualidades indispensáveis a uma superiora. Tudo me convenceu
que ela devia governar”.
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Monumento em homenagem à Madre
Teodora |
Madre Teodora, escrevendo à sua superiora na Europa, registrou:
“O Sr. Bispo acaba de me enviar, por escrito, a confirmação do meu nome para
superiora. Nunca senti tão vivamente minha fraqueza e profunda miséria. Minha
única esperança está no Divino Salvador. Conto com a assistência de sua graça e
com os conselhos de minha boa Mãe”. Logo em seguida acrescenta
“Fazem-nos
um pouco de guerra: nossa mudança excitou a raiva dos maus; eles não se
conformam com a idéia de que a mais rica e bela Igreja, não somente da cidade,
mas da Província, passe para mãos estrangeiras. Vêem que nossa obra prospera,
que gozamos das simpatias de um grande número e não nos podem perdoar”.
Madre Teodora enfrentou provações múltiplas: contra a fé, contra
a esperança, de desânimo, e muitas outras. Já com mais idade, contava sorrindo
que certo dia, quando ainda jovem superiora, foi chamada ao locutório por um
senhor de meia idade que, sem mais preâmbulos, exprimiu-lhe profunda admiração
por sua brilhante inteligência, seu espírito de iniciativa e demais prendas.
Acabou pedindo-a em casamento.
Agradecendo-lhe a homenagem e os cumprimentos,
Madre Teodora explicou-lhe: “Se fosse esse meu ideal, por certo eu não
deixaria a França, onde recusei ótimos partidos”.
Esta é usualmente, diga-se de passagem, uma arma dos inimigos da
Igreja contra sacerdotes e religiosas. E quantos apostatam! Mas era tal o
desinteresse da Madre pelo assunto, que jamais cogitou da identidade do
cavalheiro...
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Este prédio, inaugurado em 1867, abrigou o
Colégio São Luís
dos padres jesuítas, em Itu |
Oposição dos inimigos da Igreja
Interessa-nos realçar principalmente aqui em que consistiu a
oposição a esta obra por parte de forças anticlericais de então, com seus
métodos de ataques explícitos à Igreja. Hoje o lobo mudou de pele, embora tenha
conservado e até requintado seu ódio à fé.
O jornal “A Gazeta de Campinas” publicou, no período de 1878 a 1880, uma série de
artigos assinados por um L.L. (morador de Itu), sob o título O conventinho,
os jesuítas e o Patrocínio de Itu. Entre sarcasmos, afirma-se nessa série
(mantemos a ortografia do original): “Até quando ficaremos expostos aos effeitos
funestissimos dessas cazas jesuíticas, que não escrupolizam em dar educação por
‘tais metas’[...]. Dezenas e dezenas de meninas costumam vir educar-se no
Patrocínio, seria este cúmplice naqueles desmandos, caso não se viesse pela
imprensa, abrir dos olhos aos ingênuos pais de famílias que, na boa fé, são
aludidos pelos saltimbancos de roupeta”.
O alvo prioritário dos ataques eram os jesuítas. As Irmãs de São
José também se tornam objeto das investidas, em virtude de sua ligação com os
filhos de Santo Inácio. A congregação foi alvo de inúmeras crônicas, às vezes
rudes, furibundas, fantasiosas e infundadas.
Um artigo no mesmo jornal, assinado por Ollem Sopmac — que, se
lido na ordem inversa, pode significar Campos Mello — comenta: “Entretanto,
a menina de que fallamos, que não teve tempo para estudar nem sequer a historia
pátria, nem somente a provincial, sabia de cor inteiramente sem faltar uma
linha, um volume inteiro da Historia Sagrada! [...] Nem um só dia deixa de
repetir Cathecismo e Historia Sagrada [...], única cousa que se ensina com
desvelo é o que lhe chamam religião, e que seria, se não estivesse enxertada
das mesmas superstições dos jesuítas. Não vale a pena tão pouca cultura
intellectual em troca de tanto fetichismo. [...] Em breve, os observadores
conheceram que o beatíssimo começava a ressurgir de suas cinzas. Novas e
desconhecidas praticas religiosas appareceram. As festas do mez de Maria de que
nunca se fallou em Itu, foram instituídas; as solemnidades da Primeira
Comunhão, um verdadeiro melodrama, que deslumbra as mulheres ignorantes e até
alguns não muito ignorantes, celebram-se em grande concurso”.3
Expressões como “fanatizado pelos jesuítas”, “enorme turba de
beatos”, “medrosos”, “multiplicaram-se as superstições”, “asqueroso fetichismo”
etc., não cessavam de aparecer em tais escritos cheios de fel e
anticlericalismo.
Resultado de uma grande obra de apostolado
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Madre Teodora às vés- peras de sua morte |
Madre Teodora foi superiora da congregação por quase 66 anos.
Apesar de todas as investidas, a obra foi adiante. A partir daquela semente
nasceram numerosos frutos. Só no estado de São Paulo, até
1919, a congregação já
mantinha 31 casas sob sua direção.
De acordo com o registro dos livros de matrículas que se
encontra no Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, de 1859 a 1919 foram
matriculadas 2.275 alunas. Considerando o número de inscritas ano a ano, a
tabela fala por si, demonstrando que o prestígio do colégio se mantinha
equilibrado no decurso de 60 anos – caso inusitado, se comparado a outras
instituições de educação que tentaram se firmar nesse mesmo período.
A sociedade paulista ficou marcada durante essas décadas pela
moralidade católica tradicional. Moralidade esta combatida hoje ao extremo
pelos fautores do hedonismo como “sociedade hipócrita, cheia de falso
moralismo e tabus” e toda sorte de slogans injustos e
superficiais. É a manifestação do mundo com seus ódios, falsos atrativos e
falsas máximas, a que se refere São Paulo Apóstolo.
Em próximo artigo pretendemos expor o método e o programa de
ensino das Madres de São José de Chambéry, tão amadas e queridas por várias
gerações de formandas.
E-mail para o autor: sergio.bertoli@gmail.com
____________
Nota:
1. Alocução à União dos Homens da A. C. Italiana de 12-10-1952 – “Discorsi e
Radiomessaggi”, vol XIV p. 359.
2. Uma alma de Fé, Olivia Sebastiana Silva, Ave Maria, São Paulo, 1985, p. 55 e
56.
3. “Educação Feminina numa Instituição total confessional Católica Colégio
Nossa Senhora do Patrocínio, Maria Iza Gerth da Cunha. Tese apresentada do
Departamento de Historia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de SP (USP), 1999.
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Grupo de alunas do Colégio Nossa Senhora do
Patrocínio, em Itu |
publicado também em –
· Excelente!!!
A vocação do Brasil sempre será CATÓLICA. A história nos diz!
Gostei muito do artigo. Espero pelo próximo.
Salve Maria,
Carlos Magno
·
José Silveira Viana
12, novembro, 2011 em 11:09 |
#2
A Providência Divina não deixou de cercar de cuidados na formação de uma sã
juventude enviando missionários virtuosos, mas, como já era de se esperar os
inimigos da Igreja não dormem e hoje quer se banir toda religião do ensino.
·
Márcio
12, novembro, 2011 em 09:23 |
#3
Excelente artigo! Escrevam mais sobre esse assunto. Os jornais já falam o
suficiente do fracasso do ensino laical (promovido pelos críticos da educação
religiosa): crimes, comportamento anti-social, drogas, sexo, desrespeito,
ignorância, etc.