Razões de trabalho me levaram recentemente a Salvador.
À tardinha, depois da tarefa cumprida, um colega soteropolitano me convidou para
um giro a pé pelo centro histórico da encantadora cidade. Bahia, nome evocativo
de tanta história para nós brasileiros.
Seguindo o roteiro proposto por Gabriel – nome do colega
de trabalho – pude observar, enlevado, muitos aspectos pitorescos e belos da
cidade como o Relógio de São Pedro, a Piedade, o Mercado Modelo, o Pelourinho,
entre outros.
O horário
parecia não favorecer muito, pois as igrejas históricas já se encontravam
fechadas. Caminhávamos num ritmo bem baiano, sem pressa, para poder admirar as
fachadas dos prédios com suas sacadas e seu colorido ressaltado pela
iluminação.
Não
faltavam turistas, em sua maioria bebericando algo nas calçadas defronte a
restaurantes e bares ao longo das ruas e praças. Pude admirar, apenas por fora,
a Igreja de São Francisco e a da Ordem Terceira. Muita coisa do que via me era
familiar uma vez que, virtualmente, não apenas conhecia, mas já havia lido a
respeito.
Pude tirar a limpo, por exemplo, uma curiosidade sobre
a fachada da Ordem Terceira, hoje com todos os detalhes externos originais. Em
épocas mais remotas foi coberta com reboco, dado que muitas esculturas ali
presentes são repletas de símbolos. Quem estudou a grande a gesta de Dom Vital
no Brasil, não poderia deixar de rememorar a razão deles nas ordens
terceiras.
Aquela região é denominada Pelourinho, local onde os
escravos recebiam castigo. Ali se encontra a Igreja de Nossa Senhora do Rosário
dos Pretos. Até um restaurante-escola do SENAC. Mais ao longe, víamos as igrejas
de Santa Bárbara, do Carmo e da sua Ordem Terceira.
Depois de caminhada tão agradável quanto instrutiva,
íamos descendo a ladeira a fim de tomarmos um táxi. Mais uma igreja em nosso
caminho, a de Nossa Senhora do Rosário do Homem Preto que, para nossa alegria,
encontrava-se aberta. Entramos com sofreguidão. Vozes varonis recitavam as
orações do Terço.
Pelo que fomos informados tratava-se do “Terço dos
homens” em sua 59ª edição... A ascendência italiana falou mais alto
dentro de mim. Confesso que me emocionei. Não tive dúvida, tirei meu terço do
bolso e ajoelhei-me. Uma simpática pessoa na frente fez-me um sinal para que eu
me associasse a eles.
Na verdade, o que eu desejava mesmo naquele momento não
era propriamente rezar, mas, na quietude, admirar aquela luminosa cena. Ao
contrário de orações lentas e langorosas, ouvia vozes másculas, altas, quase
proclamadas a louvar a Virgem Santíssima.
Encerrado o Terço, veio um cântico seguido de uma
consagração dos presentes a Nossa Senhora. A voz deles era grave e forte, além
de muito afinada. Sensibilizei-me ao ver e ouvir aqueles senhores recitarem
"Infinitas graças vos damos, soberana Rainha"...
Não importa a raça, todos nós temos a Virgem Branca do
Rosário por Rainha, mas ali havia algo mais... Havia o charme negro da Bahia de
Todos os Santos. Seguindo uma tradição deles, fui até convidado a dizer algumas
palavras. Vi-os de frente. Quase todos em traje social. Nenhuma bermuda,
camiseta e chinelos.
Fomos convidados para um lanche. Conversa farta e cheia
de atração. Hospitalidade é o que não faltou.
Saí dali pensativo, sempre acompanhado do verboso
Gabriel. Preferi tomar uma refeição leve e ir me recolher no Hotel. Perguntei-me
muitas vezes onde estavam os negros revoltados que setores da mídia e de certas
sacristias procuram realçar.
Confesso ter tido naquele dia uma profunda alegria de
alma por sentir-me entre irmãos, pois somos todos filhos do mesmo Pai e da mesma
Mãe. Se quiser, sob a invocação de Virgem Santíssima do Santo Rosário do Homem
Preto de Salvador.
(*) Sergio Bertoli é
jornalista e colaborador da ABIM
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